sexta-feira, outubro 28, 2005

Sócrates e as “criaturas do lamaçal”

Sócrates tem procurado imprimir a este Governo uma trajectória que mostra claramente o seu desejo em corrigir o muito de errado que os seus predecessores andaram a fazer, e que conduziram o País ao “lamaçal” em que caiu.

Sem dúvida é de louvar a sua coragem e a “honestidade” que parece quer imprimir à res-pública; é de louvar a força com que parece quer tirar o país do “lamaçal”.

Contudo os seus predecessores não colocaram o País no “lamaçal” de forma tão inocente como pode parecer; por um lado sustentou-os no poder (criou, sustentou e alargou-lhes clientelas) e, por outro lado acreditaram que era esse o “caminho” - Guterres chegou ao poder convencido que podia redistribuir “tanto” e “melhor” (especialmente, “melhor”) que o seu predecessor Cavaco e Silva, que foi realmente o “pai do monstro”.

Sócrates tem, pois, as “criaturas do lamaçal” contra ele e não vai ser nada fácil habituá-las à “limpeza”; umas já aí (do “lamaçal”) nasceram e outras habituaram-se a viver da “lama”.

Sócrates precisa desesperadamente de aliados; é bom que os intelectuais o apoiem, é bom que a oposição (Marques Mendes) o apoie e lhe dê forças para continuar, mas é preciso muito mais! Sócrates precisa dos cidadãos portugueses, precisa do exercício da sua cidadania.

Contudo, Sócrates tem contra ele a sua própria “programação mental” e a dos portugueses, em geral; o aspecto mais grave da nossa programação mental é o que deriva dos nossos elevados índices de distância hierárquica, que nos levam a encarar o País como o Estado e não como a Nação (aliás, até se desconfia da Nação).

Tal “programação” foi reforçada pelas “ideias de esquerda” (nos países comunistas, o poder do estado sobre a nação atingiu o inadmissível) que, ao darem ao estado, um imenso (e incontrolável) poder de redistribuição e de “iniciativa” tornaram mais nítida a distinção entre elites (os que têm capacidade de tomar “iniciativa” e redistribuir – a nomenclatura) e os súbditos (em essência, os que pagam a “iniciativa" e a redistribuição).

Não colocando Sócrates em causa esse “principio” (o País é o Estado e não a Nação), não será possível mobilizar a cidadania.

“Mobilizar a cidadania” não é o mesmo que mobilizar os cidadãos; “mobilizar a cidadania” é não só mobilizar os cidadãos mas é também torná-los “agentes” de “iniciativa” e redistribuição; é colocar a pensar milhões de pessoas e dar-lhes o direito (a esses milhões) de agirem por si.

Todas as medidas que Sócrates tomou até agora para solucionar “problemas” foram encontradas dentro do princípio de que “cabe ao Estado fazer”.

Esse “cabe ao Estado fazer”, o máximo de flexibilidade que se admite é: “o Estado faz através da sociedade civil” ou “o Estado faz associando capitais privados”– lembra-me o Brasil com o chamado “tripé”, Estado associado a empresas brasileiras e estrangeiras; hoje esquecido, porque o Estado Brasileiro (os seus cidadãos) acabou em “pagador” das suas associdas, as empresas brasileiras e estrangeiras.

Como já afirmei aqui (no blogue) parece que os políticos portugueses não têm “noção” do que significa "sociedade civil e cidadania"; tenho a ideia que, para os políticos portugueses, sociedade civil se resume a “quem tem de trabalhar e pagar impostos” e cidadania é o direito que os cidadãos têm de ser “ajudados pelo Estado” – depois …, há os “ricos” e o “investimento estrangeiro”, a quem se lhes dá o direito de co-participação mas, sempre, enquadrada pelo Estado.

O “conceito” de Estado, em Portugal, é a verdadeira causa da crise que se vive; é o viveiro (maternidade e engorda) das criaturas do “lamaçal”, estejam elas acantonadas “no” ou “sob” o Estado.

Não sairemos da crise enquanto não se der mais “valor” aos cidadãos do que serem o justificativo de um crescente intervencionismos do Estado em prol de uma solidariedade que alimenta muito mais as “criaturas do lamaçal” que os cidadãos que dela tanto necessitam.

terça-feira, outubro 25, 2005

Brasil votou pró - cidadania


Domingo passado, o Brasil votou sobre a “proibição de venda de armas”; os cidadãos brasileiros votaram pela continuação da venda de armas.

Algumas explicações foram apontadas nas televisões portuguesas como justificação de tal procedimento.

Nenhuma (que eu ouvisse) se referiu à justificação mais importante para que o povo brasileiro votasse dessa forma, a de que o direito a possuir uma arma é um direito de cidadania.

“Foi-nos enfiado na cabeça” que a posse de armas de fogo pelo povo é um grave perigo para a sociedade: “eles matam-se uns aos outros”, a “criminalidade aumenta”, etc.

Olhemos aonde a história nos conduz sobre este dito “valor”, existente em praticamente todas as sociedades humanas.

Primeiro de tudo consta-se que em todo o planeta esse principio é aplicado com excepção das fases históricas de expansão territorial e dos países anglo-saxónicos.

A primeira coisa que acontece quando novos conquistadores tomam o poder ou conquistam novos territórios é impor aos autóctones a proibição da posse de armas, nomeadamente afim de evitar revoltas provocadas pelos processos exploratórios que lhes são impostos pelos conquistadores ou as novas elites, no poder.

Com a sucessiva transferência da “exploração dos outros” (povos conquistados, povos bárbaros, etc.) para a “exploração dos nossos” (com a constituição das Nações modernas) a justificação para a continuação da “não posse de armas” pelos cidadãos passou a ser as acima referidas.

Contudo e por todo o lado verifica-se que os cidadãos são os que estão verdadeiramente desprotegidos face ao enorme poder do Estado; a “violência” sobre os cidadãos pelos respectivos Estados é uma constante em grande parte do planeta.

Mesmo nas revoluções comunistas, se numa primeira fase se armou o povo para que este lutasse contra a burguesia e poderes instituídos, posteriormente foram as novas elites (comunistas) a desarmar o mesmo povo e até a isolá-lo de contactos externos que lhe pudessem trazer “ideias perigosas”.

Ou seja, a origem da “não posse de armas” está muito mais no medo das elites acantonadas sob e no Estado do que no facto dos cidadãos se poderem “matar uns aos outros”; a “não posse de armas” visa mais evitar um “protesto radical” dos cidadãos contra os direitos “exploratórios” (adquiridos, frequentemente pela força ou sistemas legais duvidosos) das elites sobre o resto dos cidadãos.

Porque é que nos EUA, no Canadá ou na Austrália os cidadãos não se matam uns aos outros? Porque é que nestes países as elites não têm medo de um “protesto radical” dos cidadãos contra os seus “direitos exploratórios”?

Porque é que nestes países os cidadãos se orgulham da sua cidadania e manifestam-no com as inúmeras bandeiras que colocam em frente das suas casas? Porque é que estes países se tornaram dos países mais desenvolvidos do mundo?

O desenvolvimento das sociedades humanas, do bem-estar e da “igualdade” é muito mais uma questão de limitação do poder do Estado sobre os cidadãos do que ao contrário.

Não é por acaso que o surgimento e o desenvolvimento da república, do parlamentarismo e da democracia sempre estiveram ligados à luta dos cidadãos contra o poder do Estado; não é por acaso nas “sociedades de origem” desses sistemas essa luta assumiu formas de limitação do poder do Estado, de estabelecimentos de mecanismo de poder e contra - poder bem como de controlo do Estado e de responsabilização dos seus actos.

Os brasileiros ao votarem a favor da venda de armas deram uma “prova” do seu desejo de aceder à cidadania; essa “prova” reflectir-se-á, com toda a certeza, no tipo de democracia que estão a construir.

sexta-feira, outubro 21, 2005

“A culpa é do catering”

Se alguém pensava que nos hospitais a alimentação é “adequada” a cada doente (e doença) e que quem confecciona alimentos “lava as mãos”, desengane-se (Público de 20 de Outubro de 2005).

E, sabem que mais …, “a culpa é do catering”, dizem algumas administrações de hospitais sobre a má qualidade dos alimentos dados aos doentes (e que podem agravar as respectivas doenças).

Como é possível que um gestor diga que a “culpa” é de quem contrata ou dos executores? Que “cursos de gestão” se andam a fazer neste País?

Como é possível que o “objecto” de actividade de uma empresa (tratamento de doentes) seja prejudicado (indução de novas doenças ou agravamento da existente) pelos próprios actos de gestão dos seus administradores?

A incompetência e a irresponsabilidade grassam por todo o lado, tomaram conta do nosso Estado; pois trata-se de “entidades públicas” - nas quais as Administrações não são escolhidas por competência (nem avaliadas e responsabilizadas) mas nomeadas conforma a “cor partidária” (lugares de Nomenclatura!).

quinta-feira, outubro 20, 2005

A ética republicana

Quem diria que alguém como Mário Soares, com a sua ética republicana (mais ainda: “ética republicana de esquerda”), poderia tomar atitudes contra a Lei; mas, não contra uma Lei qualquer, mas contra a Lei Eleitoral – Lei-Símbolo da República!?

De facto a História está cheia de exemplos de como os “eleitos” (de várias origens “eleitorais”) rapidamente se consideram acima de tudo.

Afinal “eles” habituaram-se a fazer aprovar e desaprovar Leis, sabem bem que uma Lei “só é o que é” porque eles assim o determinaram previamente - então porque têm eles de cumprir uma Lei que têm capacidade de aprovar, desaprovar ou substituir a qualquer instante?

Quando não cumprem a Lei, ou acham que é de somenos importância (eles são a Lei) ou acham que é uma questão técnica: “eu” já pensava mudar a lei amanhã!

Isso não significa que “eles” sejam mal intencionados; qual quê: quando Mário Soares diz em quem devemos votar neste ou naquele, fora da Lei, ainda está a prestar um grande serviço ao País e devemos-lhe um grande favor por ele não cumprir a Lei.

Mas a culpa não é “deles”, desses eleitos!

A culpa é de quem permite que exista Poder Político e do Estado sem pesos e contra-pesos; e neste ponto, Portugal é o País democrático mais atrasado da União (só “eles” podem achar que temos a constituição mais “avançada do mundo (“avançada?” - será que sabem para que lado fica a “meta”?).

Não foi à toa que os pais da Constituição Americana prestaram particular atenção aos pesos e contrapesos e o sistema constitucional inglês serviu-lhes de referência (esse sim, o mais avançado do mundo de então – se, a “meta” for o aumento da capacidade de exercício da cidadania).

Mário Soares tem razão: porque cumprir um detalhe da Lei Eleitoral se pode mudar a lei de um dia para o outro? Não há Governo português que não aprove as Leis que lhe apetece – a Assembleia depende inteiramente do Governo (aliás, é-se Governo porque se manda na Assembleia!).

Temos uma República “bonita” – uma nítida separação de poderes!

Mas, como diz Geert Hofstede: dificilmente seria possível procurar “soluções” fora da nossa cultura, e a nossa cultura política é a autocracia - no limite, a autocracia assume a forma de fascismo (que pode ser de direita ou de esquerda – tudo formas autocráticas de Estado).

A isto pode conduzir a “ética republicana”, mesmo a “ética republicana de esquerda” - basta que deixem!