quinta-feira, outubro 20, 2005

A ética republicana

Quem diria que alguém como Mário Soares, com a sua ética republicana (mais ainda: “ética republicana de esquerda”), poderia tomar atitudes contra a Lei; mas, não contra uma Lei qualquer, mas contra a Lei Eleitoral – Lei-Símbolo da República!?

De facto a História está cheia de exemplos de como os “eleitos” (de várias origens “eleitorais”) rapidamente se consideram acima de tudo.

Afinal “eles” habituaram-se a fazer aprovar e desaprovar Leis, sabem bem que uma Lei “só é o que é” porque eles assim o determinaram previamente - então porque têm eles de cumprir uma Lei que têm capacidade de aprovar, desaprovar ou substituir a qualquer instante?

Quando não cumprem a Lei, ou acham que é de somenos importância (eles são a Lei) ou acham que é uma questão técnica: “eu” já pensava mudar a lei amanhã!

Isso não significa que “eles” sejam mal intencionados; qual quê: quando Mário Soares diz em quem devemos votar neste ou naquele, fora da Lei, ainda está a prestar um grande serviço ao País e devemos-lhe um grande favor por ele não cumprir a Lei.

Mas a culpa não é “deles”, desses eleitos!

A culpa é de quem permite que exista Poder Político e do Estado sem pesos e contra-pesos; e neste ponto, Portugal é o País democrático mais atrasado da União (só “eles” podem achar que temos a constituição mais “avançada do mundo (“avançada?” - será que sabem para que lado fica a “meta”?).

Não foi à toa que os pais da Constituição Americana prestaram particular atenção aos pesos e contrapesos e o sistema constitucional inglês serviu-lhes de referência (esse sim, o mais avançado do mundo de então – se, a “meta” for o aumento da capacidade de exercício da cidadania).

Mário Soares tem razão: porque cumprir um detalhe da Lei Eleitoral se pode mudar a lei de um dia para o outro? Não há Governo português que não aprove as Leis que lhe apetece – a Assembleia depende inteiramente do Governo (aliás, é-se Governo porque se manda na Assembleia!).

Temos uma República “bonita” – uma nítida separação de poderes!

Mas, como diz Geert Hofstede: dificilmente seria possível procurar “soluções” fora da nossa cultura, e a nossa cultura política é a autocracia - no limite, a autocracia assume a forma de fascismo (que pode ser de direita ou de esquerda – tudo formas autocráticas de Estado).

A isto pode conduzir a “ética republicana”, mesmo a “ética republicana de esquerda” - basta que deixem!