sexta-feira, março 17, 2006

Recordando Medina Carreira (I)

Extraído do artigo publicado no DN a 1 de Fevereiro de 2005

1. Teremos em breve eleições legislativas. As terceiras desde 1999. E é improvável que, em Fevereiro de 2005, se encontre uma solução política adequada para enfrentar a nossa gravíssima crise. O Estado é inoperante, insustentavelmente sobredimensionado, está em crescente desqualificação e perdeu poderes decisivos de intervenção económica (monetário, cambial, alfandegário e orçamental). A economia fragilizou-se no último quarto de século, só reagindo, ocasionalmente, com o impulso de ocorrências externas, muito favoráveis. O peso da despesa pública levará, em poucos anos, ao colapso financeiro do Estado, com pesadas consequências para todos mas, em especial, para mais de 4,5 milhões de indivíduos dele directamente dependentes (1). Ninguém, revelou, na política activa actual, discernimento, aptidão e credibilidade para tranquilizar o País e vencer uma tal crise. Com o "anonimato" dos candidatos a deputados, generalizou-se a promoção do demérito; os principais partidos políticos são hoje a melhor e a mais procurada agência de empregos para uma certa "mão-de-obra"; a ilimitação dos mandatos favorece a inércia e a rotina; o exclusivo partidário da apresentação de candidaturas visa a obediência e a hipocrisia política (2); a opacidade do financiamento dos partidos estimula a corrupção. O sistema semi-presidencial que vigora mostra-se inconsequente: o Presidente da República medita, reúne, exorta, insiste e é muito aplaudido, mas nada acontece. Os governos são escolhidos a partir de programas eleitorais irrealistas e demagógicos; enfraquecidos pelo inevitável incumprimento das promessas, são diariamente fustigados, julgados e condenados no primeiro acto eleitoral que aconteça. O Parlamento, com gente a mais e que nada representa, é palavroso e inconsistente, e vai degradando a imagem da democracia. Os problemas do País acumulam-se e agravam-se, e o tempo útil das soluções está a esgotar-se. Nos anos 20 e 30 do século passado, na Europa, este tipo de democracia atraía os ditadores. No início do século XXI, mantém o atraso e conduz à pobreza.

(1). Cerca de 730 000 funcionários públicos; 2 591 000 pensionistas da Segurança Social; 477 000 reformados e pensionistas da Caixa Geral de Aposentações; 307 000 beneficiários do subsídio de desemprego; 351 000 beneficiários do RMI. Com os familiares próximos poderão ser uns 6 milhões de indivíduos, numa população de 10 milhões.

(2). "Os bons não querem ir para lá, e os maus querem porque aquilo é um emprego fácil". "As direcções partidárias gostam de deputados amigos ou gente que não chateie" (Vicente Jorge Silva, Grande Reportagem, 22.01.05). Já pressentíamos o que agora é confirmado por quem saiu há semanas da Assembleia.