domingo, novembro 27, 2005

Mata-Mouros e o Sistema Judicial

No Congresso de Juízes, que decorre no Algarve, a Juíza Mata-Mouros pronunciou-se “contra a corrente”; pronunciou-se contra o carácter e a mentalidade de funcionalismo público que impregna o sistema judicial português e os seus agentes – ou seja, pronunciou-se contra o carácter “não soberano” existente na magistratura portuguesa.

De facto, não é de admirar que isso só tenha ocorrido cerca de 30 anos depois do 25 de Abril (o “pronunciamento de tal …”, porque a mudança não se sabe quando ocorrerá) e quando uma crise de “direitos adquiridos” lhes bate à porta.

Sejamos, contudo, honestos; haverá juízes, como a juíza Mata-Mouros, que têm plena consciência que o sistema judicial português permanece “idêntico” ao de antes do 25 de Abril, inclusive quanto ao seu papel na sociedade portuguesa (aliás, também não mudaram muito quer o papel do Executivo como a subserviência do Legislativo àquele - Mário Soares parece não ter, ainda, visto isso!).

Cavaco e Silva diz que é preciso restabelecer o prestígio do sistema de justiça.

Bem … não vejo que entre os proponentes à Presidência da República se tenha melhor que Cavaco e Silva; mas “que é preciso restabelecer o prestígio do sistema de justiça” é, de facto, não entender o que se passa!

O prestígio do sistema de justiça é uma consequência da sua prática e, esta, é uma consequência do seu papel na sociedade.

E …, não se pense que é possível ser de outro modo, como o retorno ou o preservar do "passado”; hoje, as sociedades são abertas, as pessoas sabem ler e escrever, aspiram ao que se faz “lá fora” e são pressionadas todos os dias contra a competição externa - a eficiência do nosso sistema judicial é hoje mais essencial que nunca, para que possamos sobreviver como comunidade nesse mundo aberto; já não se pode resumir o seu papel ao "arbítrio" entre as elites e os súbditos de uma sociedade fechada.

Ou seja, se o sistema voltar ao que era (restabelecer, como diz Cavaco e Silva) não duvidemos que a pressão social (e confrontos vários) vai continuar – não haverá a “paz” que políticos, juízes e cidadãos aspiram.

A crise judicial, a crise económica e a crise política (a Crise) não têm causas circunstanciais; têm causas estruturais - só uma reconcepção do papel dos órgãos de soberania face ao exercício da cidadania e vice-versa (o que não podia ter sido compreendido pós 25 de Abril) poderá dar resposta à Crise em que vivemos.

Em síntese, temos de repensar o que significa democracia em Portugal; e tomar as acções adequadas se queremos que o nosso País seja, de facto, "democrático" (e não um corruptela democrática, à terceiro ou quarto mundo).